Comentário Geral – A Esperança parte 1

foto: divulgação

Em 2012, quando eu comecei a ler a saga Jogos Vorazes eu não fazia ideia de como essa saga iria acabar. Ela é pequena, mas não duvide da intensidade presente em suas páginas, principalmente nos 24 capítulos de seu ultimo ato: A Esperança.

Muito se tem questionado se era necessário dividir a obra em duas adaptações para o cinema, muitos acusam a Lionsgate de só querer lucrar, muitos acusam disso e daquilo e o que eu tenho a dizer é: tal escolha não foi em vão, não mesmo!

Ao nos depararmos com uma torrente de desastres, somos arremessados no clima sombrio predominante em todo o tempo da projeção. O cenário cinza e ordeiro do Distrito 13 aparece diante dos olhos da protagonista, mais fragilizada do que nunca.

Katniss sofre. Podemos sentir a dor exalando de todos os seus poros. A dor de perder Peeta para a Capital, perder o seu lar, perder seus amigos, perder até a si mesma. Enquanto a primeira parte do filme tenta situar onde Katniss está, o que aconteceu, e como aconteceu, o cerco vai se fechando cada vez mais ao redor dela. Ela não tem escolha, a rebelião já tem a sua cara, sempre teve.

Em uma grande sacada, o filme ensina mais sobre política do que muita aula por aí. A manipulação da propaganda, dos sentimentos e noção de unidade são características marcantes das histórias das guerras mundiais. A situação me parece muito familiar com o que ocorreu com a Revolução Francesa, por exemplo. Temos uma plebe faminta, cansada de ser explorada e maltratada, que carregou a corte nas costas durante anos, porém, sem unidades e armas para lutar, então se alia a um terceiro estado que tem as armas para as suas reivindicações e é sua porta-voz. Só que ao mesmo tempo é a sua bênção, também é a sua maldição, afinal, todos desejam o poder.

O Distrito 13 é esse terceiro estado, sua principal arma unitária é a propaganda, a manipulação das emoções, a imagem. Coin, a sua presidente constrói a fama inabalável do distrito, e por traz de tanta ordem se esconde a sede pelo poder.

Ao analisar o posicionamento dessas políticas, Katniss percebe que desempenha papel fundamental para articular a revolta contra a Capital e pode barganhar pelo que quer.

O visual e a atmosfera do filme faz a guerra mostrar a que veio, e ela é cruel. O diretor não tem pudores de mostrar cenas de massacre e destruição. O que sobrou do distrito em ruínas, com destroços e a parte mais chocante são ossadas humanas jazendo nas cinzas amontoadas, que nos traz à tona imagens das atrocidades reais do holocausto da Segunda Guerra. A classificação indicativa que o filme recebeu no Brasil mostra-se inapropriada perante o conteúdo de forte impressão e chocante. Aliás, é curioso o fenômeno de como o filme tem o papel de comover muito mais do que muitas vezes a realidade. Quantas vezes não acompanhamos na TV alguma reportagem de guerras reais no Oriente Médio e mudamos de canal em seguida sem ligar muito?

O ritmo do filme dá uma quebra em relação aos anteriores. Afinal, os outros seguiam todo o ritmo de preparação para o grande clímax. A primeira parte é a preparação pra guerra, um ritual de perda, separação e provações para Katniss e o preço a ser pago pela liberdade. O ato final reserva acontecimentos desconhecidos, mas que certamente serão surpreendentes.

O filme não seria o que é se não fossem as atuações. Aqui Jennifer Lawrence se doa por completo à personagem, ao carregar todos os seus momentos de fortaleza e fragilidade. Destaque para os nomes de peso que também desempenharam atuações exemplares, como Juliane Moore, Woody Harrelson, Donald Sutherland e o saudoso Philip Seymour Hoffman na pele do manipulador Plutarch Heveansbee. No entanto, também é preciso destacar a renovação de personagens que surpreenderam. Nomes novos e já antigos, e aparições relâmpago que já valem o filme inteiro.

No que diz respeito a adaptação, a fidelidade impressiona. Não na ordem cronológica dos fatos, mas as principais passagens do livro estão representadas diante de nossos olhos da maneira mais fidedigna possível. E não é por ser um filme preparatório que a projeção amorna seu ritmo. Há momentos tão tensos de total desespero do que irá acontecer que irão mexer com a cabeça dos fãs.

Francis Lawrence faz uso de diversos recursos para transmitir o emocional do filme e demarcar sua atmosfera, e sem dúvida a trilha sonora foi sua principal aliada. Regida novamente por James Newton Howard, dá pra refletir o sentimento de cada personagem de acordo com os acordes, com novos arranjos sem modificar os antigos para não perder o reconhecimento daqueles que já acompanham os filmes. E sem dúvida um dos momentos mais aguardados é a canção “A árvore forca” entoada por Katniss, capaz de fazer os pássaros pararem de cantar e soltar as vozes de um exército em revolta.

É interessante também observar a dualidade presente no filme. Enquanto a arma do distrito 13 é Katniss, a arma da Capital é Peeta. Suas palavras, seu carisma que conquistaram os cidadãos de Panem é utilizado para tentar uma rendição das forças rebeldes. Peeta é acusado de traição, porém, apesar da máscara de pacifista, ele ainda está lutando. Sendo torturado a cada aparição de TV, é um abalo a mais no coração de Katniss até se tornar a arma perfeita para destruí-la. Josh Hutcherson demonstra uma força incrível a dar vida a um Peeta cada vez mais torturado que não lembra nada o que fora antes até perder a consciência e a razão.

Esses e outros elementos tornam A Esperança parte 1 um filme memorável. O tom sombrio e bélico do filme o torna uma experiência única para quem o assiste, as mensagens políticas são bastante complexas que até mesmo o descaracterizam como simples produção adolescente. A guerra está preparada, o tordo quebrou os últimos grilhões que o prendiam na gaiola da escravidão, é chegada a hora da batalha.

 

Deixe um comentário